Como ensinar pessoas com deficiência intelectual a ter educação financeira – intervenção com moradores das Casas Lares da APAE-BH

O trabalho de Educação Financeira para Pessoas com Deficiência Intelectual foi iniciado em 2014, com alguns moradores do Programa Casa Lar, da APAE BH.

A partir da observação de que alguns moradores do Programa Casa Lar não sabiam administrar o próprio dinheiro, usando-o como troca de afeto ou endividando-se, esta intervenção foi planejada e colocada em prática. Este exercício tem se revelado uma importante ferramenta da transformação social, pois promove a organização dos gastos, amplia a autonomia do indivíduo e possibilita a descoberta da real função do dinheiro.

Durante o acompanhamento social, foi observado que os usuários que possuíam maior independência e recebiam um valor em dinheiro, referente ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), para gastar com seus cuidados pessoais, usavam-no de forma indiscriminada, sem acompanhamento ou direcionamento quanto aos gastos. Em outros casos, aqueles que estavam inseridos no mercado de trabalho e/ou recebiam aposentadoria, permitia que qualquer pessoa administrasse suas finanças, o que acabou levando ao mau uso do dinheiro. Alguns, ainda, faziam empréstimos em banco, sem uma programação para saldá-los.

Diante dos problemas encontrados e tendo como foco as diretrizes do Programa Casa Lar, foi estudada uma forma de viabilizar maior autonomia aos usuários por meio da educação financeira, capacitando-os a fazer o melhor uso do dinheiro.

Para que este trabalho se tornasse efetivo, foi necessário conquistar a confiança do usuário em relação ao responsável e/ou mediador; exercer uma escuta diferenciada; respeitar os desejos do outro e muito treino.

O trabalho do mediador consiste em apoiar a pessoa com deficiência intelectual, buscando:

  • A ressignificação do dinheiro, ressaltando seu valor financeiro e eliminando sua utilização como moeda de troca sentimental.
  • A renegociação das dívidas já existentes, com a participação e a presença do usuário, envolvendo-o no processo;
  • A organização das mesadas e/ou semanadas, de acordo com o desejo de cada usuário e para facilitar a administração do seu dinheiro;
  • A escuta das demandas do usuário, respeitando e ponderando com ele os seus desejos de consumo, as suas prioridades e planejando os gastos mensais;
  • O acompanhamento sistemático do processo, reforçando o planejamento sempre que necessário.

Seu objetivo é educar financeiramente a pessoa com deficiência intelectual, a fim de fortalecer sua autonomia e incentivar seu protagonismo.

Durante este tempo de trabalho, cerca de dois anos, os resultados têm sido muito positivos, atingindo os objetivos propostos.

A transformação social de alguns usuários pode ser observada pela mudança de comportamento diante do dinheiro e de sua função. Muitos dos que tinham dívidas, hoje aceitam a intervenção em vista de um planejamento financeiro, como por exemplo, uma usuária que comprou um celular de R$1.800,00 no cartão de uma loja (que exige apenas a identidade e CPF para emissão do cartão). A falta de compreensão do valor real do produto fez com que ela rapidamente o vendesse por um valor irrisório e, como não tinha mais o produto, parou de pagar os boletos. Assim, a dívida foi acrescida de juros e seu valor chegou a R$3.000,00. Quando esta usuária aceitou a nossa proposta de intervenção de educação financeira, fomos até a loja renegociar a dívida e parcelamos em prestações condizentes com o que ela recebe pelo BPC. Em março de 2016, ela quitou a última parcela e começou a poupar mensalmente para que, em agosto de 2017, ela comprasse outro celular, desta vez, à vista.

Com essas intervenções planejadas os usuários passaram a entender melhor a importância do dinheiro e a poupar para adquirirem produtos realmente necessários e, principalmente, valorizar cada aquisição. Os gastos com cuidados pessoais estão mais evidentes. As dívidas e as despesas com presentes como forma de conseguir afeto diminuíram. A participação do usuário em todo o processo é essencial, para que ele se comprometa, responsabilize e aprenda a fazer escolhas, arcando com as responsabilidades delas advindas.

Algumas vezes surgem conflitos e o usuário não cumpre o que foi planejado e acordado, mas isso é normal, pois ela está em processo de aprendizagem. Esses momentos são trabalhados para levá-lo a pensar sobre a razão pela qual ele participa do trabalho de educação financeira.

É importante destacar que esta proposta de intervenção não implica grandes investimentos financeiros ou qualquer equipamento e pode ser realizada pela própria família. O essencial para obter resultados positivos é o acompanhamento, a orientação, a escuta, e acreditar no potencial da pessoa com deficiência intelectual, bem como a articulação para incentivar seu protagonismo e formação cidadã.

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