Edgar dos Santos Pereira tem 28 anos e desde 2009 é abrigado pela Casa Lar Barreiro, da APAE BH. Pouco se conhece sobre sua história, poucos registros existem sobre a sua infância, nada há sobre a origem da grande cicatriz de queimadura que traz consigo no corpo. O que se sabe apenas é que depois da morte do avô, ainda menino ele foi entregue pelo tio a uma instituição de acolhimento.

Há 11 anos, essa instituição foi fechada e Edgar foi, então, encaminhado pelo estado de Minas Gerais a uma das oito casas lares que a APAE administra em Belo Horizonte. Desde então, ele nunca mais recebeu a visita de nenhum parente. Desde então, seu passado se esvaiu completamente, pois dele não existem fotos. Dele ficou apenas a cicatriz.

Assim que chegou, Edgar foi submetido a vários exames e avaliações pela equipe técnica da APAE e seu quadro então pôde ser diagnosticado precisamente: autismo severo, com deficiência intelectual e transtornos globais do desenvolvimento.

Em 2016, após apresentar dificuldade respiratória, Edgar precisou ser encaminhado ao hospital. Lá, ele teve uma parada cardiorrespiratória, foi levado para a UTI e, então, a equipe médica decidiu fazer uma traqueostomia e também uma abertura no abdômen para que ele pudesse receber a alimentação por sonda enteral de gastrostomia.

Logo em seguida, Edgar teve infecção generalizada e seu estado se agravou drasticamente. Em coma, recebia visitas diárias dos profissionais da Casa Lar, que faziam rodízio para vê-lo. Mesmo sem saber se ele conseguia ouvir, sempre que estava com Edgar a mãe social falava: “Ô, meu filho, volta pra casa… Você está fazendo muita falta…”

Cicatriz

A cicatriz de queimadura de Edgar é grande e vai desde seu ombro até mais embaixo, no braço. Ninguém sabe as circunstâncias em que se deu o acidente, mas é ali, naquela marca, símbolo do profundo sofrimento vivido enquanto criança, que ele decidiu qual seria o canal pelo qual as pessoas se conectariam a ele.

Talvez por se lembrar da imensa dor que sentiu exatamente ali quando foi queimado, sempre que sente confiança em alguém Edgar pega a mão da pessoa e a põe em seu ombro, bem em cima da cicatriz, como quem diz: “Por favor, me dê carinho”.

Sabendo disso, todos da APAE que o visitavam no hospital não iam embora sem antes demonstrar seu afeto exatamente da forma como ele sempre pediu: baixavam a alça direita da camisola e, com muito cuidado, passavam a mão sobre a sua cicatriz. Mesmo mergulhado no profundo sono do coma, todos os dias Edgar ganhava de sua família apaeana carinho onde mais precisava, onde mais evidente estava a marca de tanto sofrimento.

Os dias no hospital foram passando, a frequência cardíaca dele foi melhorando, ele saiu do coma até que, finalmente, três meses após a internação, Edgar recebeu alta do hospital. Apesar da melhora, o médico alertou que, provavelmente, ele ficaria em estado vegetativo para sempre.

Para recebê-lo de volta, a APAE precisou montar um verdadeiro quarto de hospital na Casa Lar São Paulo. Lá, ele recebia todos os cuidados necessários e também muito carinho de todos. De forma incansável, a equipe técnica multidisciplinar da APAE, composta por fisioterapeuta, nutricionista e fonoaudióloga, ia regularmente até lá para cuidar dele. Dieta, exercícios, todos os tipos de estímulos eram feitos sistematicamente, pois ninguém estava disposto a desistir de lutar pela saúde e pela vida de Edgar.

Até que um dia, cerca de um mês e meio depois da alta e depois de tanto empenho de toda a equipe da APAE, de repente Edgar se levantou da cadeira de rodas e começou a andar pela casa. Todos ficaram muito emocionados, pois viam ali a prova viva de que todo esforço valera a pena: Edgar queria viver.

Pouco tempo depois, ele pôde voltar para a sua casa, a Casa Lar Barreiro. Mas a vida com tantas comorbidades nunca foi fácil. Recentemente, ele chegou a ser hospitalizado três vezes. Na última internação, em um determinado momento, de uma só vez ele arrancou o tubo da tráqueo. Para a surpresa do médico, ao ver que mesmo após a retirada do tubo Edgar continuava respirando, ele decidiu conversar com a equipe técnica da APAE sobre a possibilidade de fazer um teste e ver se Edgar conseguiria ficar livre do tubo enfiado em sua traqueia.

Em comum acordo, a decisão foi tomada e os próximos dias seriam cruciais. Era visível que aquela retirada do tubo por Edgar era uma forma dele expressar que queria ficar livre daquele sofrimento. Ele queria – e podia – respirar!

A experiência foi um sucesso, ele recebeu alta e, desde agosto, está tão bem que o médico considera até mesmo a possibilidade de retirar sua sonda.

Dia a dia

Com quase dois metros de altura, Edgar adora tomar sol, ver livros cheios de figuras e ama correr pelo quintal da casa. Apesar de ouvir, ele não consegue falar. Ele se comunica com os olhos e também por meio dos toques de suas mãos.

Em seu dia a dia na Casa Lar Barreiro, Edgar precisa de cuidadores diuturnamente, seja para preparar e administrar de três em três horas a alimentação parenteral, para lavar a sonda, para trocar as fraldas, dar banho e fazer o monitoramento que seu quadro requer.

Além de receber o cuidado da mãe social e de suas assistentes, ele tem duas cuidadoras com dedicação exclusiva. Edgar recebe também assistência periódica de profissionais da APAE, como nutricionista, fisioterapeuta e fonoaudióloga. Mensalmente, toma cerca de 600 comprimidos, usa cerca de 200 fraldas e consome uma média de 24 potes da dieta parenteral. Todo esse cuidado representa para a APAE um custo médio de R$ 6 mil mensais.

A equipe da Casa Lar, bem como as profissionais multidisciplinares da APAE-BH que o atendem, sabem que a qualidade de vida de Edgar está diretamente ligada ao suporte que ele recebe. É por essa razão que todas as pessoas que hoje o cercam entendem que, para estar ali, ao lado dele, é preciso, acima de tudo, saber oferecer muito cuidado e muito amor. Pois é isso o que Edgar verdadeiramente quer dessa vida. Vida essa que, apesar de tudo, ele tanto ama e por ela tanto luta.

Legenda da 1ª foto: No momento em que tirou o tubo traqueostomia, Edgar sorriu de felicidade e, certamente, de alívio. Menos uma dificuldade na vida deste rapagão que só espera da vida e das pessoas um punhado de carinho.

Legenda da 2ª foto: O orifício da tráqueo já está praticamente cicatrizado!

Legenda da 3ª foto: Igualzinho a um pássaro preto, Edgar não resiste e se desmancha de tanta denguice quando alguém faz carinho em sua cabeça.